quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Agora sim.

Ponto fora de plano. Como já dizia Oscar Niemeyer: arquitetura não é o mais importante. O importante são os amigos. As pessoas. E suas atitudes diversas, estranhas e intensionais. Aqui o foco não vai ser falar de arquitetura, afinal... tempo atrás criei um blog restrito ao assunto arquitetônico, e adivinha? Nada escrevi. Porque falar só de arquitetura, que graça tem? Que importância tem, se não relacioná-la com nada e ninguém? O foco são as pessoas, essas sim... há muito o que falar, questionar, refletir.
Mas eu não falar de arquitetura, impossível. É o meu sonho que está quase se realizando! Tá, vá lá... tá tão quase quase se realizando que já cheguei ao ponto de questionar se é sonho ou não. (No momento tá mais pra não). Mas quem já viveu isso afirma ser uma fase "normal", pela qual passam todos os arquitetos quando acadêmicos. Hoje mesmo uma colega recém-formada veio me dizer que vai abandonar a profissão. Eu disse: "O quê? Guria, você está ficando louca?" Não, não, ela só quer ter horário pra entrar e pra sair do escritório, e ter garantido o salário no final do mês. Loucura não? É a esse tipo de ponto fora de plano que eu me referia.
Agora vejo tudo diferente de quando estava só no plano. Pra falar a verdade, não tive muita opção de escolha não...tudo conspirou pra uma só opção. Muito antes de entrar pra facu, cheguei a pensar que trabalho de arquiteto fosse mais gostoso que comer chocolate e mais tranquilizante que uma sessão de massagem oriental: passar as tardes desenhando, trabalhar se divertindo. Que engano! Hoje me pergunto se meus colegas um dia também pensaram assim. (Pensaram?).
Logo percebi que as coisas não éram tão simples como imaginei, quando comecei a trabalhar em um escritório de arquitetura como desenhista. Na verdade, as coisas não éram nada simples. Trabalhar com clientes então, nem se fala... Imagina que haviam clientes que achavam que escritório de arquitetura éra como o mercado da esquina: é só pedir o produto no balcão que ele já vem pronto. E mais, se você não gostou do produto (pronto, impresso e aprovado na prefeitura) pode trocar por outro que não paga mais nada por isso, nem pelas outras 10 pranchas A1 que terão de ser plotadas novamente, nem pelas mais de 40 horas de trabalho. E se a obra já começou, não há problema nenhum em mudar as paredes de lugar, esticar aqui e ali, aumentar a área, que problema tem? O terreno é meu, e eu não vou deixar 4 metros de afastamento. E se contratei o arquiteto pra projetar a casa dos meus sonhos com 600m², mas decidi que não vou construir, eu não preciso pagar o projeto. Essas são algumas das pérolas. Tá aí outro ponto que não estava no plano.
[Mas não sejamos pessimistas. Eu, apesar dos desabafos, sou otimista sempre! Acredito que somos nós arquitetos que tenhamos que mudar esse mundo, e, pra nossa sobrevivência, mudar o pensamento desses clientes! Mas pra isso acho que deveria ter uma disciplina envolvendo a parte psicologica da coisa, porque que é difícil é.]
Continuando a história...
Depois de imaginar a coisa errada e ver que não éra bem assim, entrei pra faculdade (eeee). Pelo menos parte dos pontos que não estavam nos planos já haviam sido descobertos. Entretanto, fui sendo iludida pela vontade de mudar o mundo de alguns professores, que vinham com o discurso de que podemos mudar o mundo através da arquitetura sim! Podemos melhorar a qualidade de vida se pensarmos na habitação saudável, com qualidade, acessível para a população de baixa renda. Podemos promover relações sociais se planejarmos espaços urbanos aconchegantes e interessantes, que atraiam as pessoas e promovam integração entre as classes, e estimulem a caminhada e os passeios de bicicleta em substituição do carro. Podemos preservar a memória com a recuperação, restauração, reutilização e revalorização de antigas edificações de relevância para a história de nossas cidades. Podemos provocar boas sensações nas pessoas propondo espaços de contemplação, mesmo que sejam para contemplar a própria arquitetura, desde que essa promova um sentimento bom. Podemos recuperar áreas degradadas e preservar o meio ambiente com o planejamento de parques, bosques, trilhas; e escolha de materiais para os edifícios que causem o menor impacto ambiental possível, preocupação com a orientação solar, utilização da água das chuvas, preocupação com o entorno e etc, etc, etc.
Sinceramente, tudo isso me encantou de um jeito que fiquei por muito tempo sem conseguir pensar em mais nada. Na minha cabeça a arquitetura éra muito boa, boa demais! Perfeita! Éra exatamente isso que eu queria, fazer coisas boas para as pessoas e para o meio ambiente e ainda ganhar por isso. Mas não demorou até outros pontos fora de planos aparecerem. Na verdade eles não apareceram, sempre estiveram aí... em todos os lugares, eu é que não tinha os percebido dessa forma. O primeiro tapa veio quando outro professor falou que arquitetura é coisa pra rico. Nada contra, isso sempre soubemos, mas o mais difícil foi engolir o ""... na verdade até hoje eu não engoli.
Pensando bem, de todo errado ele não está, principalmente se partirmos do princípio que o que é (leia-se está) mais importante que tudo hoje, inclusive mais importante que as pessoas e que a arquitetura, é o dinheiro... grana, money, dimdim. Não importa se a casa é preta, branca, brega, extravagante, se ela tiver mais águas no telhado que a casa do vizinho tá valendo; essa é a forma de demonstrar o poder de hoje em dia (kkkk). E pra quê se preocupar com a questão do aquecimento global ou com a crise energética?! Hoje em dia temos condicionador de ar split e vidros especiais com películas para impedir o desconforto térmico dos ambientes, com tudo isso não precisamos nem mais nos preocupar com o norte do terreno, tem grana sobrando pra comprar o que precisar, e o planeta que se dane. Também não precisamos de parques, praças e ciclovias coisa nenhuma: os shoppings centers são o paraíso, não, são melhor que o paraíso porque têm condicionador de ar, proteção contra intempéries, estacionamento interno e comida artificial. Hoje em dia também não precisamos mais conversar, nem nos abraçar, mal temos tempo pra isso, além de que os relacionamentos ficam por conta do orkut, melhor do que qualquer praça ou parque, o único que consegue reunir 865 amigos num só lugar ao mesmo tempo.
E é por esses e outros pontos que estão (estavam) fora do plano que decidi vir aqui trocar uma idéia com vocês, quem sabe a gente se entende, ou vira amigo no orkut.